sábado, 31 de outubro de 2009

O Morcego


Há muito tempo uma pergunta me assombra durante a noite. Um morcego que ronda meu quarto escuro, meu banheiro durante o banho, minha sala durante a leitura e o jantar. Será que é o morcego de Augusto dos Anjos? Creio que não, pelo menos não na forma direta e óbvia. Talvez seja o mesmo morcego, mas esteja me cobrando não o que fiz, mas o que vou fazer. Que resposta vou ter e principalmente o que vou fazer com essa resposta.
Não é uma pergunta de resposta rápida, deveria até ser, mas infelizmente não é. E isso, temo ser uns dos alicerces para nosso país não ter chegado onde deveria estar. Talvez seja essa resposta a imagem ou o reflexo do nosso povo não ter alçado vôos mais altos. Essa resposta talvez seja a culpada pela nossa Mata Atlântica continuar sendo destruída com uma permissibilidade absurda. Seja ela o embrião para essa violência que insiste e querer borrar o “Maravilhosa” que sucede nossa Cidade. E vai mantendo aos poucos (ou aos muitos) nosso povo com uma separação sólida e intransponível entre ricos e pobres, muito bem definida por Darcy Ribeiro, em “... um modus vivendi...como se fossem castas e guetos”.
Como já disse não bastava responder essa questão, pois ela me levava a tantas outras com uma profundidade similar e instigante, foi quando percebi o que esse morcego queria. Ele queria que eu investigasse e esmiuçasse todas as respostas que encontrasse para então ter a resposta que ele queria. Para que você estuda? Pode parecer óbvia a resposta, mas se olharmos bem não é. A resposta automática normalmente tem pouco da gente e muito de algum clichê social. Como alçar vôos com a educação se nem se quer fomos educados para entender o motivo de termos entrado na escola. Pesquisei entre alunos de oitavo ano em diante e as respostas foram no mínimo curiosas. Muitos estudavam para ser “alguém na vida”, mas o que é ser alguém? Eles já não são alguém? São! Mas se sentem ninguém. Como preservar algo que não conhecemos? A Biologia e arrisco dizer que as “Ciências” (sou radicalmente como esse tema é usado em nossa educação) são ensinadas nas escolas através de um “decoreba” que culmina no que estamos vendo hoje. Como respeitar um pesquisador se não entendemos o seu trabalho? Como ver no estudante o desejo de ser pesquisador? Como fazer com que um cidadão entenda que não deve desperdiçar água ou ser irresponsável com seu lixo? Como ele olhar para um animal ou uma árvore com algum valor a vida se ele nem sabe o que é aquilo? São questões profundas que merecem uma reflexão.
Essa ainda é uma questão que parece ser oculta entre as pessoas que são responsáveis pela educação no Brasil. Talvez seja o processo de exclusão que paira no discurso das pessoas, o que Michel Foucault chamou de interdição. Aquelas questões que sabemos que existem, porém não se pode falar. Um assunto que deve ser guardado, não mencionado, quiçá citado em um blog! Embora todos saibam que ele existe que está ali bem debaixo dos nossos olhos.

Estive na XVI semana de Biologia da UERJ, cujo tema foi “Tempo de Biologia”, realizada pelos alunos no campus maracanã. Um evento bem legal que merecia ser acompanhado por muita gente, boas palestras, boa organização e mini-cursos interessantes. O fato curioso que se conecta com o que estou escrevendo ocorreu no primeiro dia. Logo na primeira conferência tivemos uma excelente palestra com o Dr. Celso Sanches Pereira que questionou e palestrou entre outras coisas sobre o que é ser um Biólogo. Com uma retórica formidável usou do bom humor para mostrar a imagem que o cidadão tem do Biólogo. Acho que foi além disso, quis mostrar aos estudantes que cabem a eles no futuro colocar o Biólogo onde deveria estar. Após as três palestras da conferência resolvi fazer uma pergunta para o Dr. Celso: “Se o cidadão tem uma imagem errada do Biólogo, o senhor acha que o estudante que presta vestibular para Ciências Biológicas sabe o que é um Biólogo?” Antes que ele pudesse terminar a resposta o segundo palestrante que era o diretor do IBRAG – Instituto de Biologia Alcântara Gomes, Dr. Israel Felzenszwalb, pegou o microfone com um certo “vigor” e disse: "Estou lhe devolvendo a pergunta! Por que quer ser Biólogo? Porque está aqui?" Depois disso ficou só mais uma pergunta no ar: Perguntei alguma coisa demais?.

O Morcego
(Pelo Mestre Augusto dos Anjos)

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! É este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Um comentário:

  1. Já conheço toda essa sua corajosa iniciativa de questionar o que é dado por si só. O que nos move realmente são as perguntas, creio que com esse belo texto tenha tirado uma conclusão: um questionamento muito bem construído numa sólida pesquisa, vale mais que uma precipitada conclusão de um academicista.

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